Oficina da Palavra - Curso de Redação

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Escrita para mídias digitais

"Escrever é fácil. Você começa com letra maiúscula e termina com ponto final.
No meio você coloca ideias." -
Pablo Neruda

Diariamente somos invadidos por uma quantidade avassaladora de informações em nossos dispositivos eletrônicos: seja por e-mail ou pelas mais diversas redes sociais. São imagens, vídeos,  textos curtos ou longos que tentam nos puxar a atenção para alguma ideia ou produto.

Quem está por trás da tela e do texto é obrigado a pensar no desafio que a redação representa. Muitos possuem uma dificuldade imensa em comunicar uma ideia com clareza, nitidez e sem ambiguidades. Outros percebem isso da pior forma possível, quando experimentam uma confusão pessoal ou profissional causada por mensagens distorcidas.

A escrita para meios digitais, ou webwrinting como tem sido chamada, tem suas características próprias, da mesma forma que outros gêneros textuais técnicos, acadêmicos, profissionais ou literários. Por isso convoquei Pablo Neruda para iniciar nossa reflexão, pois escrever é fácil - #SóQueNão.

Quem acompanha nosso trabalho já me ouviu dizer que redigir é um processo que vai do pré-texto, passa pelo planejamento, pela construção, pela revisão e pela reescrita (leia o texto aqui). Assim, antes de mais nada, precisamos responder a algumas perguntas, sem as quais nosso texto poderá ficar à deriva no mar de informações que é a internet:

  • Para quem escrevemos?

  • Em que contexto ele será publicado?

  • Por qual meio será divulgado? Blog, site, rede social?

  • O que queremos dizer com ele?

  • Qual o nosso objetivo?

O que diferencia a leitura ou a escrita no meio impresso daquela no meio digital?

Nesta semana, ressuscitei meu toca-discos para escutar antigos vinis. Tanto o aparelho, quanto os "bolachões" estavam empoeirando no canto da estante da sala. Aquela era a hora da verdade: se não os colocasse para funcionar, me livraria deles e teria mais espaço. Adoro música e estou antenada às novas tecnologias, por isso possuo uma conta em uma dessas plataformas para ouvir minhas preferências via streaming. Mas enquanto degustava meus antigos exemplares em vinil, pensava: o que podia haver de diferente, se quase tudo o que eu tinha ali em minha antiga coleção podia ser facilmente encontrado na rede? O que tornava aquele momento especial?

Cheguei à conclusão de que o fato de os discos estarem materializados na minha frente, e me remeterem a memórias afetivas, davam-me a exata ideia do que eu tinha à minha disposição e poderia escutar.

Na web, discos e playlists adicionados como favoritos não estavam à minha vista, pois são muitos. Eu teria que me lembrar de algo que quisesse ouvir e pesquisar na plataforma ou contar com as sugestões de algum(a) curador(a) com base nos algoritmos de minhas "curtidas", do meu comportamento e de minhas preferências musicais. Cheguei à conclusão que, para mim, cada meio musical tinha seu valor: fosse analógico ou digital. E o toca-discos ficou.

Pensar nas peculiaridades da webwrinting tem tudo a ver com esse raciocínio. Música analógica x digital; leitura analógica x digital; escrita analógica x digital.

A escrita para mídias digitais

Utilizamos, cada vez mais, o computador pessoal e os dispositivos móveis para ler e escrever, rompendo limites entre tempo e espaço. Isso faz uma diferença enorme em nosso cérebro com o simples ato da leitura ou o de materializarmos nossas ideias pela escrita na tela do computador.

Podemos dizer que as características da leitura e da escrita em meios digitais mudou porque nossa percepção do conteúdo digital é bem diferente da do conteúdo analógico. Quando pegamos um livro, um texto ou panfleto impresso, mesmo que não os leiamos por inteiro, temos física e visualmente a noção de sua finitude. Por sua vez, não enxergamos o final de um texto no meio digital, pois ele não é linear. Podemos acessá-lo navegando-o por camadas, por meio de hiperlinks. Assim, nós, como leitores, influenciamos o resultado final do conteúdo absorvido a partir de nossas escolhas de leituras e de camadas acessadas.

Em tempos de modernidade líquida, nossa percepção de mundo fragmentou-se irreversivelmente.  Por isso temos que pensar na escolha das palavras e na estrutura das frases que construiremos, imaginando que não teremos mais leitores e sim navegadores.

O leitor  transformou-se em navegador

A invenção da imprensa, durante a modernidade, criou condições para a escrita em larga escala e seus efeitos puderam ser sentidos ainda na mídia impressa. Com a popularização da internet, esse efeito multiplicou-se em escala geométrica. Mas uma das questões do nosso tempo é: o livro impresso irá desaparecer? Eu não tenho certeza disso, mas isso é papo para outra hora.Voltando à questão do planejamento de um texto para mídias digitais, deve-se perguntar: qual será a plataforma utilizada para divulgação? Um blog de um site? Um post no Facebook? No Instagram? No Twitter?  Cada um desses meios têm suas peculiaridades, mas possuem algo em comum: seus leitores/navegadores têm pouco tempo e pouco foco para apreciar o conteúdo. Logo temos que partir do pressuposto de que se trata de uma comunicação que deve ser rápida, direta, enxuta e o mais próxima de uma conversa natural, sem formalismos excessivos.

Escreve-se para ser lido. Como o leitor/navegador não tem foco, deve-se buscar laçá-lo na primeira flechada, na primeira frase, na primeira palavra. Mas muito cuidado: isso não significa empobrecer o texto!

O que fazer?

Para ajudá-los, compartilho algumas das dicas da Dad Squarisi para a escrita na web que dão uma baita ajuda para começar:

  • Conheça as peculiaridades do veículo de comunicação e da mídia em que será publicado o texto. Pense que, além de ser impresso por quem lê, pode virar um podcast em outro momento.

  • Escrever e falar são habilidades como nadar, correr, digitar. Quanto mais escrevemos, melhor escrevemos. Como diz Saramago: "Não falamos português. Falamos línguas em português".

  • Empregue a norma culta, mesmo que o estilo seja leve e informal - atenção para tropeços de pontuação, ortografia, flexões, concordâncias, regências e outras questões gramaticais.

  • Utilize textos curtos:links aprofundam o conteúdo; ilustre com imagens, infográficos, vídeos ou áudios. Cada plataforma tem um tamanho de texto adequado.

  • Prefira construir frases na ordem direta (sujeito + verbo + complementos). O cérebro absorve de forma mais ágil a informação.

  • Prefira sentenças declarativas com apenas uma ideia. Se for o caso, desmembre-as em períodos diferentes.

  • Escolha palavras simples e curtas:  entre dois vocábulos, fique com o mais curto; entre dois curtos, o mais simples. Fuja dos antipáticos ou pretensiosos.

  • Busque vocábulos concretos - o específico informa melhor que o genérico. O definido, melhor que o vago. O concreto, melhor que o abstrato. Cão de guarda é melhor do que cão.Maciera, mais que árvore.

  • Substantivos e verbos são a roupa e o sapato da frase. As demais classes gramaticais, os acessórios. Adjetivos, advérbios, conjunções e cia. devem ser usados com cuidado e parcimônia.

  • Se usar adjetivos, prefira os denotativos. Os adjetivos devem acrescentar precisão e economia à frase. existem dois tipos: o denotativo (particulariza o objeto); não emite opinião, informa: mesa redonda, parede branca, homem negro, cabelo loiro. Adjetivos subjetivos ou afetivos registram o julgamento de quem escreve (cor repousante, mulher bonita, pessoa desagradável). Adjetivos ônibus são termos vazios e inexpressivos porque se aplicam a qualquer substantivo: maravilhoso, formidável, fantástico, lindo espetacular, bonito.

  • Se usar advérbios, escolha os informativos.  O advérbio é o adjetivo do verbo. Se não for para indicar com exatidão a circunstância em que os fatos ocorreram, pode ser retirado da frase sem prejuízo. Use-o com cautela.

  • Cuidado com os artigos definidos - verifique se não geram ambiguidade. Ao dizer "Os alunos foram ao Carnaval", englobam-se todos os alunos. Se não são todos, dispensa-se o artigo: "Alunos foram ao Carnaval".

  • Forma positiva - prefira dizer o que é e não o que não é. Não ser pontual é ser impontual. Não lembrar é esquecer.

  • Salvo exceções, prefira a voz ativa do verbo. Ela é mais direta, vigorosa e concisa que a passiva. O artigo foi escrito por mim - Eu escrevi o artigo.

Por fim, lembro que escrever não é um dom: aprende-se com técnicas; dá trabalho. Há que rascunhar, revisar, reescrever até que o texto fique claro e passe o recado pretendido. Quanto mais se escreve, mais fácil fica e a redação sai cada vez mais leve e eficaz.

Referências:

O destino da leitura. Entrevista com Roger Chartier. Por Justino Magalhães, com tradução de Mariana Gomes da Costa, 2014. In: <http://www.revistaeducacao.com.br/o-destino-da-leitura/>

Squarisi, Dad. Manual de Redação e Estilo para Mídias Convergentes. São Paulo: Geração Editorial, 2011.